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Pamonhada

Por Paulo Pazz


Esta época de dezembro chuvoso lembra-me das pamonhadas que a gente fazia na garagem de nossa casa, no bairro Pio Gomes.


Meu pai tinha uma caminhonete, daquelas antigas da Chevrolet, lata branca e de para-choques azul, que era seu pau-pra-toda-obra. Sem algum aviso, chegava com ela abarrotada de lenha e alguns sacos de milho verde, ainda na palha.


Aí, era aquele corre-corre para ajeitar as vasilhas, chamar os vizinhos e buscar a Vó Vitorina, que tinha uma mão perfeita no tempero da massa.


Tamboretes a postos, os mais velhos tomavam posição, enquanto a criançada esparramava pelo chão, garfo na mão, para ajudar na tarefa de catar os cabelos do milho, que teimavam em se esconder entre as fileiras de grãos.


Lá vinha meu pai com o facão na mão para dar golpes certeiros no pé da espiga, facilitando o trabalho de tirar as palhas. Essa tarefa de escolher as palhas boas para fazer a bolsa onde a massa seria despejada era da minha mãe. Ela enrolava uma na outra, fazendo os pares, e colocava as espigas despeladas num bacião que a criançada pegava para catar os cabelos remanescentes. Depois da limpeza final, a espiga ia parar perto do banco em que algum outro adulto presente sofria para ralar espiga por espiga.


O círculo do trabalho estava completo e a água já estava para dar fervura no fogareiro: uma lata de quarta cheia de serragem socada que já havíamos trazido da serraria do Seu Samiro. O furo central, a gente improvisava com uma garrafa de vidro que ia sendo erguida na medida em que se colocava a serragem. Depois, era cavoucar através de uma abertura retangular que se encontrava na parte inferior da lata. Por ali é que se introduzia a lenha a ser queimada.


Vó Vitorina temperava a massa com seu tato bom para a coisa. Com uma mão nas cadeiras, com a outra mexia aquilo com uma colher de pau. Eu me perdia vendo o vigor já se indo, cada dia mais acelerado, daqueles bracinhos mirrados e pelancudos. Depois, era encher as palhas, amarrar barbante ou embira de bananeira, sem esquecer-se de colocar uma talha de queijo caipira. Dali, levava para o tacho de cobre, onde a água já borbulhava.


A pamonhada era um pretexto delicioso de se ajuntar gente, rever pessoas sumidas do nosso cotidiano e colocar a prosa em dia. De vez em quando, um mais engraçadinho esticava o forro na mesa e desafiava qualquer um para uma partida de truco, enquanto as pamonhas esfriavam um pouco.


Nunca consegui entender aquele jogo de cartas, mas gostava de ouvir os gritos, os socos na mesa e o xingatório para cima da dupla adversária.


Minha mãe escolhia umas cinco ou seis mais graúdas para levar, no dia seguinte, para meu avozinho que não teve como vir. Guardava-as no forno do fogão caipira com tamanho esmero que chegava a me causar ciúmes.


Regulava mais ou menos três da tarde, quando a pamonhada estava pronta. Talheres poucos, a vizinhança já trazia seus pratos marcados com esmalte (cada um levava marca de cor distinta por baixo, para não misturar com o dos outros).


Depois de todos comerem, hora do mutirão para lavar as vasilhas em um tanque que ficava no quintal e colocar para secar num jirau comprido, pouco abaixo do tanque. Alguns deixavam para buscar suas vasilhas no outro dia; outros, depois de constatarem que estavam secas, ainda levavam mais pamonhas, para aproveitar a viagem.



Assim, mais um domingo que se ia, regado a pamonhas, sorrisos e amizade.




 

Autoria


Paulo Pazz é licenciado em Letras pela UFG-CAC, Professor pelo Estado de Goiás e Membro da ACL - Academia Catalana de Letras. Também é revisor e colunista da Revista Portalvip (com circulação em toda região sudeste de Goiás), integrante da Comissão julgadora das Olimpíadas da Língua Portuguesa desde 2014, ator integrante da Cia Express’arte e instrutor de “Contação de Causos" pelo Centro Cultural Labibe Faiad (Catalão/GO). Participou da mesa redonda O fazer Poético e do Sarau de Poesias (ambos do I FLICAT UFG) e do Festival Literário do Cerrado – FLICA (Ipameri-GO), edições I, III e IV. Mantém a Página literária do blog Recanto das Letras, do site da UOL, desde Outubro de 2008. Recebeu oito premiações em concursos literários mantidos pela UFG (a primeira em 1993), cinco premiações pelo SESI-Arte e Criatividade (nas categorias Conto e Poesia) e o Prêmio “Trabalhador da Indústria” pelo SESI. Participou de duas antologias poéticas publicadas pelo SESI – Serviço Social da Indústria e publicou os livros "Palavra Lavrada", "Transfiguração" e "Manual do Desesquecimento".




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