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Noite de São João

Por Paulo Pazz



Era noite de São João e o derredor da igrejinha estava toda enfeitado com bandeirinhas coloridas que o vento frio açoitava sem piedade. As barraquinhas espalhadas ao longo do pátio frontal da capela exalavam os cheiros adocicados das iguarias típicas do festejo que atiçavam os narizes avermelhados pelo frio que aquele ano exagerara acima de todas as previsões.


Antonio estava lá. Mas ele não deveria estar lá. Não naquele dia!


Julieta também estava! E estava Adriana também! 


A novena estava terminando e aí se iniciariam as festividades que as crianças já antecipavam há muito, correndo entre as barracas. Um cachorro encardido vigiava ao lado do carrinho de espetinhos, esperando seu quinhão merecido, visto que andara muito, seguindo seu dono que, nesse momento, estava saindo da igreja. O cãozinho abana o rabo, como a dizer 'eu estou aqui, meu senhor', mas não obteve sucesso... não agora. 


O fogueteiro armava o lastro perto da bandeira de São João, toda purpurinada, altiva, tremente, tremeluzente. Mal o lastro encandeceu e a gritaria já começara, para o furor do padre que não aceitava bem tanta energia não sendo dispensada durante a novena: a cada ano, o padre velho, gordo e branco (italiano) percebia diminuir o número de dedos a debulhar o terço.


Um palanque de integridade suspeita equilibrava-se em um canto do pátio e um conjunto musical (se é que se poderia afirmar ser um conjunto) arranhava seus instrumentos, dando os últimos retoques na afinação.


O padre fora direto para a barraca de comes e bebes e de lá saíra, descendo o morrinho com um bornal de mané-pelado, enquanto devorava uma espiga de milho cozido tão gorda quanto ele.


Pronto! A festança se arrastaria até amanhecer o dia, prometiam.


Adriana serpenteava por entre as gentes, vendendo correio elegante, com sua vozinha doce e seu olhar enviesado que, invariavelmente, deitava sobre os olhos de Antonio, escorado indolente na barraca de beijo.


Julieta, coração malino, gostava do mal feito em toda a sua essência. Morena bonita, cheia de malícia e sensualidade, era a namoradeira da cidadezinha. Todos os homens sonhavam estar com ela, desde que não fosse para casar. Isso nunca! Moça casamenteira era Adriana... Adriana era moça direita, recatada, ingênua, até. Julieta percebe os olhares trocados, percebe o rubor na face branca de Adriana, percebe o incômodo de Antonio quando olha para Adriana, percebe até o imperceptível: Adriana sumiu... Antonio sumiu...


A noite ia alta, quando seu Jerônimo entra silencioso na igreja, ladeado por Adriana. Antônio vinha logo atrás, tímido como sempre fora. 


Aos pés do altar, o trio ajoelha-se. Seu Jerônimo olha para a filha com ternura e deposita sobre aquela mão delicada a tímida mão trabalhadora de Antônio. 


Antônio, cabisbaixo, retira da algibeira um par de alianças, pede a bênção do futuro sogro e deposita seu compromisso de zelo e amor eternos no dedo anelar de Adriana.


Noivos! 


“Dia de São João e Santo Antônio é quem trabalha”. Pensou Julieta, com despeito no olhar.





 

 Autoria


Paulo Pazz é licenciado em Letras pela UFG-CAC, Professor pelo Estado de Goiás e Membro da ACL - Academia Catalana de Letras. Também é revisor e colunista da Revista Portalvip (com circulação em toda região sudeste de Goiás), integrante da Comissão julgadora das Olimpíadas da Língua Portuguesa desde 2014, ator integrante da Cia Express’arte e instrutor de “Contação de Causos" pelo Centro Cultural Labibe Faiad (Catalão/GO). Participou da mesa redonda O fazer Poético e do Sarau de Poesias (ambos do I FLICAT UFG) e do Festival Literário do Cerrado – FLICA (Ipameri-GO), edições I, III e IV. Mantém a Página literária do blog Recanto das Letras, do site da UOL, desde Outubro de 2008. Recebeu oito premiações em concursos literários mantidos pela UFG (a primeira em 1993), cinco premiações pelo SESI-Arte e Criatividade (nas categorias Conto e Poesia) e o Prêmio “Trabalhador da Indústria” pelo SESI. Participou de duas antologias poéticas publicadas pelo SESI – Serviço Social da Indústria e publicou os livros "Palavra Lavrada", "Transfiguração" e "Manual do Desesquecimento".

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