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Fazer história passa pelo guardar

Por Fabiana Esteves




Sempre me surpreendo quando vejo aquelas casas de revista, todas sempre muito "clean", e confesso que já sonhei com uma, na minha inútil infantilidade. Impossível, pois quem vive, guarda.


Guarda bilhetinhos, o dente do filho que caiu, pilhas de fotos reveladas, cartões-postais, contas (as pagas e as atrasadas), sapatos, aquela roupa para quando a gente pensar em emagrecer, programas de espetáculos, ingressos de shows, potes de plástico e, no nosso caso, livros, muitos livros. Para dar e vender? Claro que não. Meu marido coleciona roupas que não cabem, Ísis se recusa a doar os livros de bebê, Laís espera a vontade de ler outros gêneros nascer, e eu insisto nos trabalhos dos meus alunos e nas preciosidades que garimpei nos sebos da vida. E percebo que viver é guardar. Fazer história passa pelo guardar. Encontrar o nosso lugar no mundo passa pelo guardar. Por isso tanto sofrimento nos incêndios e nas enchentes. É mais do que o prejuízo material, é um prejuízo emocional, é como ter um pedaço da alma recortado e não conseguir colar depois.


Doar e jogar fora é um exercício que faço todos os dias. Ainda hesito diante do calçado rasgado (quem sabe dá para consertar?), mas não mais diante da peça de roupa apertada. As meninas me imitam. Certa vez, incomodada com as crianças da minha escola que amargavam o inverno sem uniformes de frio, fiz a limpa no armário delas e doei até o que ainda cabia. Ninguém reclamou. O frio que me corta as entranhas deve doer mais na pele do outro.


E ao praticar o desapego, escrevo. Escrevo para guardar. E guardo os manuscritos. Em arquivos digitais, sim, mas também em papel, sempre. Adoto os versos de Antônio Cícero, que soube dizer tudo que eu não disse sobre o mistério de guardar:


"Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela."




Na imagem acima, a partir do topo e no sentido horário: Na primeira foto, Ísis e Laís, filhas de Fabiana Esteves. Na segunda foto, um bilhete escrito pela Laís. Na terceira foto, um quadro de massinha confeccionado pela Ísis.


 

Autoria


Autora Fabiana Esteves

Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula", "A Encantadora de Barcos" e "Coisas de Sentir, de Comer e de Vestir". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.



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