Por Paulo Pazz
— Mãezinha, me leva no mercado?
— O que você quer no mercado?
— Vamos lá, mamãezinha, por favor! Eu quero gastar o dinheiro que a bisa me deu. (juntava as mãozinhas em atitude de oração).
Vera não sabia de onde vinha aquele gesto tão parecido com o da vovó Maria.
— Francine, eu te levo se você me der as moedas. Onde você as colocou, filha? (Vera mal disfarçava um sorriso mínimo).
— Mas, mãezinha, foi a bisa que deu e disse para mim aprender a guardar e usar só quando precisasse.
— Filhinha, o que você tem de tão importante para comprar com essas moedas?
— Ah, mãezinha, só conto se a senhora me levar no mercado e trazer umas coisinhas que tão escritas aqui.
A mãe olhou com ternura desmedida para a sua única filha que debatia com ela, de igual para igual, naquele diálogo cheio de mistérios infantis. Vera deu um sorrisinho que somente as mães conseguem dar e pegou o papelzinho dobrado que Francine estendia para ela, com aquelas mãozinhas morenas e frágeis. "Meu Deus, com apenas nove anos e ela já consegue me envolver assim!"
Quando pegou o papel que Francine lhe estendia e desdobra-o, Vera reconheceu de imediato a letra firme e bem definida de sua avó Maria, falecida há pouco mais de um ano. Um nó na garganta trava-lhe a voz, enquanto a saudade desce frouxa pelos seus olhos. "Vovó Maria, quantas saudades da senhora!"
No pedaço de papel estavam descritos alguns ingredientes de uma receita de bolo que ela amava degustar quando vovó Maria preparava o lanche da tarde.
Pegou na mão de Francine e foram no mercadinho perto de casa. No caminho, as lembranças de sempre a acometiam, porém, agora, não com a mesma de dor de antes. Ela quase sentia a presença da avó se ajardinando nos canteiros ensolarados de sua filhinha Francine.
Sem perceber, apertou aquela mãozinha delicada que sustinha na sua, enquanto andavam pela calçada.
— Ai, mãezinha! Está me machucando!
— Desculpe, minha florzinha, é que mamãe estava com medo de você se soltar...
No mercado, já de posse de todos os ingredientes, Vera se abaixa e olha para Francine:
— Querida, e então, onde estão as moedas?
— Estão aqui, mamãe!
— O que você quer comprar com elas?
— Nada, mamãe! — Retirou uma das moedas de dentro da bolsinha e entregou para a mãe — Tó para a senhora!
— Mas, filha, mamãe não precisa de suas moedas. Guarde para você?
— Foi a bisa Maria que mandou eu guardar para a senhora. E que era para eu entregar uma toda vez que a senhora tivesse triste. Aí, a senhora ia rir e me dar um abraço igual o que ela dava na senhora, quando a senhora era do meu tamanho.
Vera passou a mão pela face de Francine, sorriu como nunca sorrira desde a morte da vó Maria e agarrou a filhinha, sentindo a maciez de seus cabelos fazendo cócegas no rosto.
Autoria
Paulo Pazz é licenciado em Letras pela UFG-CAC, Professor pelo Estado de Goiás e Membro da ACL - Academia Catalana de Letras. Também é revisor e colunista da Revista Portalvip (com circulação em toda região sudeste de Goiás), integrante da Comissão julgadora das Olimpíadas da Língua Portuguesa desde 2014, ator integrante da Cia Express’arte e instrutor de “Contação de Causos" pelo Centro Cultural Labibe Faiad (Catalão/GO). Participou da mesa redonda O fazer Poético e do Sarau de Poesias (ambos do I FLICAT UFG) e do Festival Literário do Cerrado – FLICA (Ipameri-GO), edições I, III e IV. Mantém a Página literária do blog Recanto das Letras, do site da UOL, desde Outubro de 2008. Recebeu oito premiações em concursos literários mantidos pela UFG (a primeira em 1993), cinco premiações pelo SESI-Arte e Criatividade (nas categorias Conto e Poesia) e o Prêmio “Trabalhador da Indústria” pelo SESI. Participou de duas antologias poéticas publicadas pelo SESI – Serviço Social da Indústria e publicou os livros "Palavra Lavrada", "Transfiguração" e "Manual do Desesquecimento".
Fanpage: https://www.facebook.com/paulopazz
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