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As opiniões aqui emitidas não refletem o pensamento da Editora.

Vamos mudar o mundo amanhã?

Por Fabiana Esteves



Íamos mudar o mundo amanhã. Mas quando eu dormi ainda existiam vitrolas. Ainda equilibrávamos a agulha na linha do círculo negro, a fim de repetir a faixa musical preferida.


Quando eu dormi ainda disputávamos quem decorava as letras mais longas do rock nacional. Eu nunca conseguia acompanhar o "Faroeste Caboclo" e escorregava na história de amor de "Eduardo e Mônica".


Quando eu dormi as agendas telefônicas ainda eram de papel e tínhamos de cor o número da melhor amiga e dos parentes mais próximos.


Quando eu dormi os cadernos ainda eram o melhor jeito de guardar. Receitas culinárias, a matéria que cairia na prova e as "cartas de amor ridículas" que nunca seriam enviadas. Eu preenchia os meus com frases feitas, letras de música e versos de "ingrato ritmo".


Quando eu dormi os filmes para se ver na TV tinham hora certa para começar. 


Quando eu dormi as máquinas fotográficas ainda precisavam de filmes, de doze, vinte e quatro ou trinta e seis poses. As fotos demoravam para aparecer no papel, precisavam ser reveladas. E os táxis só chegavam a um sinal indicador esticado de mãos, aliado a um pouco de sorte.


Quando eu dormi não era necessário assistir aos noticiários. Eles repetiam a promessa de uma moeda forte, de uma educação de qualidade e de uma saúde que não entregasse as pessoas nas mãos da morte. Repetiam a promessa do fim da fome e das desigualdades. 


A Caverna do Dragão era apenas um desenho animado. Não era preciso entrar lá.


Quando eu dormi fumar ainda era chique, e havia poucos parentes emagrecendo.


Íamos mudar o mundo amanhã. Acordei hoje e a liberdade não está mais à venda. As palavras e imagens correm na velocidade dos raios. Estamos acorrentados pelo medo. Estamos reféns da morte. Não olhamos mais uns para os outros. Não nos abraçamos mais. Nossos rostos estão presos em pequenas telas brilhantes.


Pouco reconheci do que vi ontem, quando dormi. No entanto, ao olhar para o lado me dei conta do mais incrível: os livros ainda estavam lá, no mesmo lugar onde os deixei. Abri um deles e reconheci os versos e as histórias fantásticas  que alimentavam meus sonhos. De súbito, uma janela também se abriu. Em seguida, uma porta.


Ísis, Laís e Fabiana Esteves.



Vamos mudar o mundo amanhã. Ainda há tempo.



 

Autoria


Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.

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