Por Fabiana Esteves
Desatei a ler no Kindle desde que a minha vista cansada enamorou-se da minha miopia operada apenas no olho direito, onde passei a ostentar uma lesão na córnea. Três óculos? Bifocal? Tudo meio complicado. O Kindle que ganhei me deu a tranquilidade de ter uma biblioteca a apenas um clique (virei assinante do Kindle Unlimited), me livrou da dor de cabeça todas as vezes que lia um livro físico de letras miúdas e ainda me deu a possibilidade de ler no escuro, enquanto o marido dorme. Uma libertação! No entanto, ler poesia desta forma me obriga a inventar um outro jeito de ler poesia, pois é muito difícil me desprender do meu já conhecido ritual de dobrar na pontinha as páginas dos preferidos, marcar, ir e voltar num balanço de mar interminável e, principalmente, de compartilhar com os amigos ou familiares o que estou lendo. E neste novo caminho, durante a leitura do livro “Jamais peço desculpas por me derramar”, da Ryane Leão (com quem participei de um laboratório de narrativas femininas, muito de perto acompanhado pela Laís, embora ela não pudesse ainda fazer parte), comecei a ler em voz alta alguns trechos para ela durante as horas de folga. Intenso. Imenso. Muitos versos nos emocionaram, surpreenderam, impactaram e quiseram se fazer repetidos só pelo prazer de escutar de novo e refazer o caminho do verso até o ouvido e até a compreensão da outra. Um exercício de ler em dupla que amamos mas que era penoso no suporte digital. A própria autora divulgou uma promoção que veio encontrar-se com o nosso momento. E quando ele chegou, de capa azul profunda como o céu e o mar, nossa busca pelos versos que mais nos inundavam se tornou fácil, fluida, física. Ela tinha forma, cor e ritmo nas nossas mãos e, estateladas na cama, a gente via o oceano de poesia romper as barreiras dos sentidos. O dilúvio foi inevitável. A Ryane, até quando conversa a língua é poesia. Até tentamos imitar, recriando repetidamente as leituras mais sentidas. Eu fazia isso com a minha mãe. Às vezes ela acordava transbordando as palavras que a preencheram nas leituras da noite. Eu quis aquele entusiasmo para mim. Eu semeei aquela alegria de ler dentro de mim através deste ler compartilhado, coletivo e singular entre mãe e filha. Agora a vida trata de traçar diferente a mesma rota, o rio corre no mesmo leito mas suas águas são sempre novas, outras, diversas. Minha mãe talvez nem saiba que existem kindles, ou bibliotecas digitais. Mas ela soube ser IMENSIDÃO, assim como no poema da Ryane que nos inundou aqueles dias. Laís, encharcada de um perfeccionismo que às vezes a paralisa, escreveu mais um poema transbordante e eu pude repetir, mais uma vez, o verso da Ryane:
Tudo bem, filha,
“Tudo bem ser IMENSIDÃO” *
*verso do livro "Jamais peço desculpas por me derramar", de Ryane Leão.
Nas fotos acima, Fabiana Esteves e suas filha Laís.
Autoria
Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula", "A Encantadora de Barcos", "Coisas de Sentir, de Comer e de Vestir" e "Mãe Também Engole Água Salgada". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.
Lindeza de texto, sejamos imensidão 🌟