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O que deixarei de herança?

Por Fabiana Esteves


Relendo uma das lembranças resgatadas pelo Facebook, olha o que encontro:

Meu diálogo com Marina Colasanti quando a conheci pessoalmente, em 2015: "Marina, minha mãe recortava todas as suas crônicas do jornal para eu ler."

"É mesmo? Então sua mãe criou uma feminista!" Pois é. Há quem deixe imóveis e ações. Estas foram as minhas heranças.

Hoje em dia assinamos um clube de livros feministas para crianças, e nem sempre nos agradamos. O feminismo mudou muito, somos católicos, e não queremos fazer parte de tudo. Mas não seria contraditório? Não confunde a cabeça das crianças? Olha, uma coisa que eu sempre tive em casa com meus pais foi diálogo. Todas as crônicas da Marina eram discutidas entre eu e minha mãe. Não tinha, nunca teve, assunto proibido. E às vezes é muito positivo ter valores contraditórios em questão. Assim, abertos, postos na mesa para discussão. E tem sido assim a nossa relação com o feminismo e com os valores católicos. Sempre gera em nós um desejo não de resolver, não exatamente de chegar a alguma conclusão fechada, mas de construir um caminho mais por perguntas do que por respostas. Elas sempre vêm conversar comigo quando encontram algo na internet que mexe com seus valores, ainda em formação. E percebemos que é como estarmos sentados à mesa, posta com fartura, mas nem tudo desejamos provar. Não que possamos abdicar do que nos incomoda, existe e precisamos lidar. Mas assim como escrevi no artigo anterior, respeitar o próprio ritmo, o próprio caminho, é fundamental.


Na universidade aprendemos a citar autores em nossos escritos, e eu confesso que sempre achei o talento mais invejável do mundo a pessoa que recheia sua fala de citações. No entanto, a Literatura me mostrou que posso ter minhas próprias ideias, sem precisar repetir as falas alheias. O discurso do outro é a minha inspiração, mas pode ser que só metade dele venha abraçar-se com o meu. E desta mistura vamos nos formando, e seremos responsáveis pelo que dizemos. Mas ao mesmo tempo, sem medo de mudar de ideia. Quero que elas aprendam a ser coerentes, mas principalmente com elas mesmas.


Ler um livro muda muito a gente. Perdi as contas de quantas reviravoltas já dei na vida por causa de um livro. Marina Colasanti foi uma das autoras que ajudou a formar minha personalidade. E qual a nossa surpresa quando, há uns meses atrás, encontramos um livro da Marina na caixa do Clube feminista. O olho brilhou, o coração disparou e a água da memória transbordou na minha alma. Sinal vivo de que estamos no caminho certo? Decerto o que é certo não seja tão certo hoje como foi ontem. Fica o benefício da dúvida. Há quem deixe imóveis ou ações. O exercício da reflexão pela arte será a minha herança. Pelo menos até que eu mude de ideia.


Fabiana Esteves com a escritora Marina Colasanti e algumas das obras da autora.



 

Autoria



Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.



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