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O cabelo é só uma parte desta luta

Por Fabiana Esteves



Quando contratei o ilustrador para o meu primeiro livro infantil fiz uma única e principal exigência: que minhas filhas se reconhecessem na personagem. Que ela não fosse clarinha, de cabelos lisos ou olhos claros. Representatividade importa. Lembrei-me do dia em que, vendo minha filha, ainda bem miúda, insatisfeita com o próprio cabelo, mostrei a foto de uma modelo negra em um encarte de moda e disse: "Filha, olha, o cabelo é igual ao seu. Seu cabelo está na moda!" Ela ficou toda feliz, tiramos uma foto e publicamos nas redes sociais.


Foi um processo. Hoje em dia ela se ressente às vezes é da falta de volume, quer suas madeixas cada vez mais cheias. E encontra eco nas ruas, quando ouve elogios das pessoas que nos vêem andando assim juntas, duas cacheadinhas e sua mãe cacheada, ou quando compramos produtos específicos para cabelo crespo.


Eu não tive a mesma sorte. Chegava ao salão e, só depois que meu cabelo estava molhado o profissional enxergava beleza nos meus fios. E mesmo depois que me libertei dos relaxamentos e escovas, a ordem era manter os fios na maior parte do tempo, molhados. Molhados eles eram aceitáveis. Molhados eles eram domados. Molhados eles escondiam um traço importante da nossa natureza. 


Nos banheiros das matinês das danceterias as meninas como eu tentavam incessantemente que seus cabelos permanecessem molhados. Procurávamos produtos que prometessem umidade eterna. Sem sucesso. Minha mãe pouco podia me ajudar, pois ela mesma ostentava olhos claros e cabelos lisos. As personagens dos livros e dos filmes eram sempre loiras, claras e de madeixas lisas e esvoaçantes. Eu tentava imitar prendendo uma toalha com uma tiara na cabeça.


Estamos em outros tempos. Hoje minhas filhas esperam que o cabelo seque e fique volumoso para tirar uma foto, olham para o lado e conseguem se ver representadas.


Certo dia, passeando no shopping Ísis vê uma mulher passando e chama minha atenção: "Mãe, olha que cabelo lindo!" Confesso que antes de virar o olhar me veio à cabeça um cabelo liso e longo, fruto de toda uma infância buscando a obediência capilar. Quando virei, era um cabelo afro, lindo! Senti que estava no caminho certo, que todas as nossas lutas para ressignificar a imagem da nossa origem estavam embalando nossas crianças  de hoje. Podemos respirar aliviados? Ainda não. O caminho até o fim do racismo ainda é muito longo, ele  grita  e nos esfrega na cara todos os dias que esta luta ainda está longe de se acabar.


O cabelo é só uma parte desta luta e a literatura pode nos ajudar a nos reconhecer e  a valorizar a nossa beleza. Que tal fazer uma lista desses livros infantis e juvenis  que exaltam a cultura e a beleza negra? É o segundo passo, uma vez que o primeiro já foi dado. E talvez mais para a frente, em um futuro próximo, não precisemos mais gritar para que nossa voz seja ouvida.


Na foto, a partir do topo, Ísis, Laís e Fabiana Esteves



 

Autoria


Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.


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