Por Gilson Salomão Pessôa
Um conflito comum a artistas desde o início dos tempos é aquele relacionado a concessões: serão elas necessárias? E se são, por que e quando?
Ambientado na Paris do início do século XX, a seguinte película mostra a trajetória do pintor Amedeo Modigliani, passional, carismático e imprevisível, fazendo um contraponto a Pablo Picasso, racional, vaidoso e já consagrado, desfrutando de seu status enquanto celebridade.
Embora ambos se idolatrem, tem dificuldades de relacionamento e vivem constantemente se insultando, pois o espanhol o enxerga como ameaça e o italiano ressente a notoriedade do mesmo, pois acredita num espírito livre de amarras sociais, mergulhado na irreverência e fanfarronice da boemia.
Além disso, Modigliani ainda precisa enfrentar os pais católicos de sua amada Jeanne, que não o aceitam por ser judeu, divergência intensificada pelo nascimento da filha ilegítima do casal.
Dirigido por Mick Davis, apresenta uma montagem não linear, alternando flashbacks (que mostram a paixão pelo desenho desde criança e a história de seu romance), delírios despertados pelo álcool e pelo ópio (que mostram seus conflitos internos) e cenas do presente.
Picasso não se conforma com a índole autodestrutiva de seu adversário e tenta sempre fazer com que o mesmo mude sua postura, chegando inclusive a apresentá-lo a Renoir, numa seqüência belíssima.
A fotografia merece especial menção por traduzir toda a poética visual em cenas belíssimas, como a dança em contra-luz de Modigliani e Jeanne na rua ao som de “La vie em Rose”, cantada por Edith Piaf.
A projeção é recheada de menções à história da pintura. Além dos amigos do protagonista, que também foram pintores famosos (Utrillo, Kisling) o filme ainda mostra o célebre artista Diego Rivera pintando sua amada Frida Kahlo enrolada na bandeira do México e faz ainda uma menção ao apreço que os pintores da época tinham pela arte oriental, especialmente a japonesa.
“Modigliani” ainda ressalta que o espírito criador precisa manter sempre viva a criança interior, sem responsabilidades e presa em um universo particular.
O artista não precisa e não quer ser normal, apesar de todos os infortúnios que estão constantemente lembrando-o da necessidade de seguir algumas regras sociais para seguir com seu modo de vida de forma mais confortável.
O processo de criação é brilhantemente retratado na seqüência em que os pintores preparam seus quadros para uma competição, realçando o caráter sacro da concepção da obra.
O elenco está brilhante. Destaque para Andy Garcia que interpreta um Modigliani dionisíaco, tragando a vida com paixão, mas sempre torturado pelo peso de suas escolhas no destino daqueles ao seu redor. Elsa Zylberstein também está fantástica como a amante do pintor, fazendo de tudo para ajudá-lo e Omid Djalili traz um Picasso apaixonado por sua arte e que, desfrutando de sua posição, não se conforma em ver alguém tão talentoso como ele seguindo o sentido oposto.
O filme é uma ode à boêmia e ao espírito artístico, um universo repleto de uma pura tragicidade poética que já não é mais freqüente, pois a grande maioria não enxerga além do pragmatismo ou simplesmente não consegue manter sua essência em constante estado de celebração.
Autoria
Gilson Salomão Pessôa é Jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com Pós Graduação em Globalização, Mídia e Cidadania pela mesma faculdade. Publicou os livros "Histórias de Titãs Quebradiços" e "Um Suspiro Resgatado".
Fanpage: https://www.facebook.com/saulo.brasao.37
Comentários