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Mesa de domingo

Por Fabiana Esteves


Assim como a culinária o magistério também tem seus segredos. Panela meio tampada para deixar escapar o vapor, observava minha mãe e seus dotes: na cozinha e na sala de aula. Aprendi assim, mirando seus fazimentos de domingo: a lasanha de pouco molho e os livros empilhados na mesa, deixando ver que era dia de massa e de planejamento. Nada de pouca água para cozinhar o macarrão. Nem poucos livros para acozentar a semana recheada de pupilos. Será que lhes coçava as orelhas aos domingos, quando minha mãe marinava os supreendimentos que lhes traria a partir da segunda-feira?


A mesa de domingo, farta, ela equilibrava com picadinho de molho engrossado a maizena, de segunda a sexta. Só em casa. Na escola, a semana era de banquete. O que faria despertar os olhinhos saltitantes à sua frente? Ela deixava que o cheirinho voasse longe, trazendo a curiosidade que fazia matar de fome até o mais bagunceiro, de lugar cativo ao seu lado. Na sala de aula, ela nunca economizava; e cozinhava de olho, sempre re-inventava as receitas.  Em tempos pandêmicos e sombrios, observo minha mãe se reinventando outra vez: aprendeu a entrar no Google meet, para não deixar de encantar seus alunos. Lê em voz alta para eles, como de costume. Como fazia presencialmente. Achou que ela iria desanimar diante desta ilustre desconhecida chamada tecnologia? Eu tinha certeza que não. Está lendo "Reinações de Narizinho" para a turma e continua se surpreendendo com o universo mágico de Lobato exatamente como há anos atrás, quando eu tinha apenas seis anos e começamos a coleção de livros do mesmo autor. 


A idade lhe trouxe as dores, o cansaço, mas não lhe tirou o que sempre cultivou de mais precioso durante toda a sua vida de professora: o entusiasmo e a indignação. Hoje mesmo me dizia o quão absurdo achava o retorno das escolas especializadas para os alunos com deficiência. Em 1984 ela recebia seu primeiro aluno com Síndrome de Down na escola regular e nunca, em tempo algum, pensou que ele estivesse no lugar errado.


Escrevo este texto em um  domingo e ela assiste à Novena de Nossa Senhora Aparecida pelo Instagram. Como mudou a minha mãe! Como mudamos nós, professores! Mas ainda estamos sentados à mesa de domingo, a planejar o cardápio semanal dos nossos  alunos... Ainda que, agora, estejamos em frente a uma tela iluminada e fria, permanecemos com o mesmo entusiasmo e com a mesma indignação diante das injustiças.


Na fotos acima, Leila Esteves, professora e mãe de Fabiana Esteves, em eventos escolares.





 

Autoria



Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.


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