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Mãe de UTI

Por Fabiana Esteves



Sim, no dia vinte e sete de março, há doze anos atrás, eu me tornava mãe. Prematuramente, aos sete meses e meio de gestação, depois de um parto normal não planejado. 


Não houve a célebre foto de papai e mamãe com seu rebento na sala de parto. Elas precisavam de cuidados instantâneos, uma teve de ser reanimada e foram direto para a unidade de tratamento intensivo, a UTI. Assim como eu, outras mães tiveram o mesmo caminhar.


Lá dentro o universo era particular, estranho, frio e os barulhinhos das máquinas teimavam em nos lembrar que a vida estava por um fio. As roupinhas tão cuidadosamente guardadas ficaram sem utilidade nenhuma, e as fraldas compradas pelos amigos e familiares estavam todas enormes. Uma amiga querida correu e fez uma arrecadação em tempo recorde de fraldas tamanho RN (recém-nascido). Para algumas mães as fraldas deste tamanho ainda eram gigantes, e elas precisavam cortar.


Tive alta e precisei voltar para casa. De mãos vazias. O hospital não permitia que as mães permanecessem durante a noite. Voltar para casa não foi nada fácil. Faltava um pedaço. Dor de parto? Aquela dor eu garanto que era bem pior.


Encaixotadinhas nas incubadoras, minhas bebês me pareciam tão frágeis que dava medo de pegar. Amamentar não era possível, a sonda era o meio de alimentação das duas. Meu seio precisava ser esvaziado e, definitivamente, não era a mesma coisa que eu via nos filmes e nas novelas. O mundo romantiza demais a maternidade e quando a vida real bate à nossa porta, somos nós mesmas que precisamos abrir. Não há intermediários, não há revezamentos, não há substituição.


Meu marido não pôde se dar ao luxo de ser o pai, ele tinha que fazer o papel da mãe para uma delas, sempre. Só o leite que ele não tirava, todo o resto era dividido entre nós. Talvez por isso ele sempre exija ser lembrado no Dia das Mães. Não há como negar. Ele foi mãe. Foi uma mãe de UTI como eu. E lá dentro, os dias passavam a passos muito lentos, tínhamos a impressão de que o ponteiro dos relógios estava com preguiça. Para fazer o tempo passar mais rápido, uma mãe teve a ideia de puxar conversa comigo, que puxei o fio do papo com outra, e no meio do novelo do fio de papo não é que foram pintando alguns sorrisos? No início eram tímidos, mas foram se multiplicando quando a primeira levou seu filho para casa. As que ficaram, no lugar de sentir inveja, deram de sonhar com o grande dia, o dia de partir com seus pequenos nos braços.


Meu sorriso virou risada. O meu dia chegou. Esta data ficou marcada como um dia especial, mais do que o dia do nascimento. Em tempos de quarentena, relembro este dia quando vejo um paciente que se curou e a equipe médica comemora. Foi o que aconteceu conosco naquele dia. Nossa partida virou uma festa!


Na foto acima, Fabiana Esteves com suas filhas Laís e Ísis.

Na foto abaixo, Claudio, seu esposo, também com suas filhas.



Nesta semana minha homenagem vai para as mães de UTI, que já passaram pela internação prolongada com seus filhos. Muitas devem estar, neste momento, precisando de um colo. Porque ser mãe é muito mais do que padecer no paraíso.




 

Autoria


Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.



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