Por Fabiana Esteves
Esta semana Laís e Ísis completaram 12 anos. Não é a primeira vez que fazemos aniversário em casa apenas nós quatro. Quando elas completaram 2 anos também foi assim. Laís tinha acabado de sair de uma internação e estava bastante frágil. Não pudemos e nem tínhamos condições de planejar uma festa ou qualquer comemoração que colocasse em risco a saúde delas. Sabemos bem quanto custa uma batalha contra a imunidade baixa. Sabemos bem quanto custa tratar as infecções respiratórias que vinham uma seguida da outra.
O isolamento social era nosso companheiro de vida. Perdurou durante muito tempo. Eram muitas as sessões de fisioterapia respiratória. Eram muitas as doses de antibiótico. Eram muitas as doses de corticoide. Eram muitas as noites mal dormidas. Eram muitas as noites separados: dois em casa e dois no hospital. Talvez por isso tenhamos nos recolhido numa vida imaginária que mora nos livros e no cinema. Não esperávamos as férias para aproveitar o dia. Se elas estivessem bem (o que era raro) a gente saía para um passeio. Modesto, é claro, sempre de baixo risco: nada de aglomerações ou lugares muito afastados. O medo era nosso limite.
Ao sair do zoológico, um passeio tão esperado, uma já estava com febre no caminho para a casa. A diversão tinha sempre seu preço. Mesmo assim eu ainda me via como uma mãe abençoada. Quantas internadas com os filhos em tratamentos intermináveis contra o câncer... O corredor do hospital era meu termômetro de luta. O relatório de alta, meu passaporte para a felicidade. Meu e de muitas mães que compartilhavam comigo a estadia. Nosso maior desejo era estar em casa. Hoje estamos em casa.
Ainda que haja um desejo de sol que cresce a cada dia, uma farpa doída que se move cada vez que um trabalhador não pode colocar o sustento dentro da sua casa, também há um médico ou enfermeiro ou auxiliar que cuidam de nós para que nossa estadia seja o mais breve possível. Nós não queremos voltar ao hospital. Mas eles voltam todos os dias para cumprir um juramento de vida. Não desperdicemos a nossa, vamos viver a vida em cada centésimo de segundo prestando atenção nas desimportâncias da vida. Nas coisas pequenas.
Certa vez cheguei em casa e me deparei com duas singelas (embora longas) listas de presentes, que incluíam banho de chuva, as balinhas do vovô (que se preocupa se trazem ou não alergia), uma biblioteca particular, um vestido dos sonhos, umas idas ao cinema que incluíam todos os filmes em cartaz e um festival de comidas preferidas, entre elas a rabanada do papai e a torta Romeu e Julieta da mamãe. Não existe nada mais desimportante do que uma lista de presentes que sonha no lugar de só planejar compras, né? Eu fiquei encantada.
Vamos fazer o mesmo? Vamos fazer listas de coisas desimportantes que podemos fazer em casa neste período. Desenhar a quatro mãos, comer pão com ovo na janta, limpar o quarto ouvindo música, fazer cosquinha no outro, cantar alto, olhar o céu da janela, contar histórias da infância…Vamos? Porque o que não podemos fazer nós já sabemos.
Aniversários de Ísis e Laís. Na foto acima, a festa de um ano e, na foto abaixo, de doze anos, que aconteceu dia 27 de março, durante a quarentena.
Autoria
Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.
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