Por Fabiana Esteves
Eu queria te oferecer um mundo mais belo, filha, mas infelizmente o mundo que eu tenho para te dar é muito injusto. Os olhos grandes que aparecem nos teus desenhos não se encaixam nos moldes, os malditos moldes… Muita gente vai rir da maneira linda como você constrói seus próprios brinquedos e do jeito que você presenteia a gente o tempo todo mesmo sem precisar passar em loja alguma porque os presentes são sempre feitos por você. Nesse mundo não há espaço para entender como a sua cabeça engendrou os cálculos matemáticos e mesmo que tudo dê certo no final, ninguém entende muito bem como você chegou lá. Não bastaria simplesmente entender que foi diferente? Mas o mundo não está preparado para o diferente. O mundo é feito de caixas. Cada um tem a sua. A gente precisa entrar nela. Você escolheu não entrar, você pega a caixa e faz dela uma porção de coisas que para a maioria das pessoas é totalmente inútil. Um dia, filha, elas também vão se sentir inúteis. E aí talvez elas queiram sair da caixa. O mundo não estará preparado para elas do mesmo jeito que não estão preparados para você. Pensam que é preciso estratégias mirabolantes para se aproximarem de você, mas não , não é preciso tanto. Você é uma porta aberta, basta a gente decidir entrar. É como você falou um dia quando fez um boneco de caixa de papelão e colocou o coração lá dentro. Não dava para ver o coração do lado de fora, mas você disse que ele era muito necessário, que não tinha como fazer um boneco sem que tivesse um coração lá dentro. Também acho, filha. Também tenho um coração por dentro que já gritava para defender os direitos de todas as crianças de aprender, de ter livro, história e voz. Antes mesmo de você nascer o meu coração já gritava. Ele só não esperava ter que esbravejar. Eu queria te dar um mundo melhor para você viver, filha, mas acho que você tem o poder de transformá-lo muito mais do que eu. Se eu tiver que gritar eu grito, mas os teus olhos grandes talvez façam mais barulho. Essa carta poderia terminar agora ou continuar para sempre. Eu escolho continuar. Sei que todos os dias vamos ter uma história nova para contar. Nem sempre vai ser uma história engraçada, pode ser uma história triste, de angústia e mágoa. Mas nunca vamos parar de contar. Se tiver que contar mais alto para mais gente escutar, continuaremos contando, gritando se for necessário. Para mais gente começar a olhar tudo com seus olhos grandes. E aí quem sabe começar a enxergar o coração do outro que, escondido dentro da caixa, pulsa.
Beijos da mamãe,
Fabiana.
Autoria
Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula", "A Encantadora de Barcos" e "Coisas de Sentir, de Comer e de Vestir". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.
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