Por Gilson Salomão Pessôa
Toda refilmagem é suspeita, pois quase sempre as mesmas são feitas para obtenção de lucro certo, repetindo uma fórmula já aprovada pelo público. Em alguns casos, como do filme “Psicose”, até os takes originais foram mantidos, ou seja, fizeram o mesmo filme, mas colorido e com outros atores.
Alguns cineastas optam por fazer uma releitura, mas ainda assim é arriscado, especialmente se o anterior foi elevado à categoria de clássico. Aí as comparações são inevitáveis.
A projeção a seguir é a segunda investida do cineasta Tim Burton nesse processo. A primeira foi com “O planeta dos macacos”, cujo final em aberto causou a fúria de vários críticos e do público, impedindo que a película fosse melhor analisada, o que é uma pena.
Adaptado do livro homônimo de Roald Dahl, o filme conta a história de Charlie Bucket, um garoto pobre que, junto com outras quatro crianças, encontra um bilhete dourado em uma barra de chocolate que dá direito ao portador de visitar a misteriosa fábrica do enigmático Willy Wonka, recluso há vinte anos porque seus empregados estavam vendendo seus segredos para a concorrência.
Não se trata de um filme superior ou inferior ao primeiro. Trata-se de uma segunda leitura da mesma história, embora Tim Burton tenha amarrado algumas pontas soltas do clássico de 1971.
Nesta película percebemos os efeitos do isolamento do anfitrião, que começa usando cartões para se relacionar com seus “convidados”, especialmente os adultos. A traição do passado transformou-o em uma pessoa cínica e egoísta.
Os defeitos das crianças foram incrementados também. O guloso Augustus Gloop está sempre com a boca suja de chocolate e a cena em que ele fica de quatro e começa a comer a grama com uma voracidade bestial é bem impressionante. Foram evidenciados também o desejo de Violet de estar sempre à frente dos outros e a arrogância de Mike TV frente ao império ilógico de Willy Wonka.
A magnitude da fábrica também foi ampliada, mostrando cenários belíssimos e funcionando como uma analogia à vastidão e imprevisibilidade do que pode ser criado em matéria de doces.
Outro detalhe bacana que foi inserido nessa nova versão foi a história do estranho anfitrião. O conflito com o pai e seu primeiro encontro com os Oompa Loompas foram inserções interessante na psique do complexo e criativo confeiteiro.
Gene Wilder continua perfeito na primeira leitura, mas Johnny Depp não desaponta, realçando as cicatrizes emocionais aflorando no perturbado mago dos doces, sentindo cada pergunta de Charlie como alguém vasculhando numa gaveta empoeirada, com boas e más lembranças que não eram trazidas à tona há muito tempo.
A essência da fábrica é traduzida em uma frase, dita pelo curioso e sensível garoto a Mike TV, ícone da geração atual inebriada por computadores, vídeo-games e altas doses de violência. Além disso o racionalismo excessivo deste último mostra a infância que perdeu o gosto pela imaginação e pela fantasia, sendo canção dos Oompa Loompas em “homenagem” ao mesmo aquela com a melhor e mais ácida letra.
O filme em questão não vem para substituir seu antecessor, mas para oferecer uma leitura adicional a uma obra que vem encantando gerações com a simplicidade poética de sua mensagem.
Autoria
Gilson Salomão Pessôa é jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com Pós Graduação em Globalização, Mídia e Cidadania pela mesma faculdade. Publicou os livros "Histórias de Titãs Quebradiços" e "Um Suspiro Resgatado".
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