Por Paulo Pazz
Vovô rodeara o canto da casa, mal o dia principiara por cima das folhas do pé de laranja-da-terra, naquele mês de setembro da mais pura secura. Era um velho conhecedor da ciência comum, das suspeitas, das suposições, do pragmatismo, do empirismo matuto.
Criado na roça, a roça nunca saiu de dentro dele. Tanto é que se mudou para a cidade, por força e circunstância do "ter de viver" e comprara uma casinha pobre, num bairro pobre de Catalão, cujo quintal tinha 70 metros de comprimento por 20 de largura. Foi o que restou para ele dos alqueires de terra de cultura que a mineradora comprara a força... meu avô jamais se recuperaria daquele baque!
Naquele dia, meu avô rodeara o canto da casa massageando uma mão na outra, dera uma olhada para os lados do Morro das Três Cruzes e foi até o fundo do quintal.
Eu, do alto de meus doze anos de existência, perdia-me vendo meu avô perder-se em seu silêncio, terreno afora. Era a mesma coisa, todos os dias. Na cozinha, sentado em um tamborete, eu o via deambular entre as plantinhas pela janela de madeira.
De vez em quando, ele se agachava e arrancava uma moita de tiririca que teimava entre os canteiros que ele cuidava com uma demora equivalente à sua falta de pressa em comemorar 78 anos de vida.
Por fim, ele parou e apoiou-se no poste da cerquinha do galinheiro, lá no fundo da propriedade, ergueu a cara para cima, fungou que nem cachorro caçador e sentenciou baixinho:
— Hoje, no comecim da tarde, vai chuvê inté dá lodo na cacunda de sapo!
Voltei para dentro do quarto, tirei de sob a cama uma lata abarrotada de bolinhas-de-gude. Após a aula, o chão estaria bem úmido, preparado para brincarmos de biloca... Ninguém mais do que eu acreditava nas crendices do meu avô.
Autoria
Paulo Pazz é licenciado em Letras pela UFG-CAC, Professor pelo Estado de Goiás e Membro da ACL - Academia Catalana de Letras. Também é revisor e colunista da Revista Portalvip (com circulação em toda região sudeste de Goiás), integrante da Comissão julgadora das Olimpíadas da Língua Portuguesa desde 2014, ator integrante da Cia Express’arte e instrutor de “Contação de Causos" pelo Centro Cultural Labibe Faiad (Catalão/GO). Participou da mesa redonda O fazer Poético e do Sarau de Poesias (ambos do I FLICAT UFG) e do Festival Literário do Cerrado – FLICA (Ipameri-GO), edições I, III e IV. Mantém a Página literária do blog Recanto das Letras, do site da UOL, desde Outubro de 2008. Recebeu oito premiações em concursos literários mantidos pela UFG (a primeira em 1993), cinco premiações pelo SESI-Arte e Criatividade (nas categorias Conto e Poesia) e o Prêmio “Trabalhador da Indústria” pelo SESI. Participou de duas antologias poéticas publicadas pelo SESI – Serviço Social da Indústria e publicou os livros "Palavra Lavrada", "Transfiguração" e "Manual do Desesquecimento".
Fanpage: https://www.facebook.com/paulopazz
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