Por Fabiana Esteves
Se eu passo no mercado e o funcionário me deu o troco errado, de quem é a culpa? Minha, que não conferi o troco. Se alguém foi assaltado, é porque deu mole. "Não sabe que aquele lugar é perigoso?" Se a mulher é atacada, a culpa é dela. "Mas também, olha a roupa que ela estava usando, estava querendo…" Uma pessoa é agredida e sempre perguntam: "O que fez para merecer aquela reação?" A menina é estuprada e culpamos os pais, que não ensinaram a criança a se proteger.
Vivemos em um mundo onde a responsável pelo crime é sempre a vítima. Refletimos sobre isso esta semana, mais uma vez, quando chegou o livro do Clube de livros infantis feministas que assinamos. Laís vira para mim e diz, analisando o primeiro conto que a gente leu: "Ué, mãe, o livro está dizendo que nós mulheres devemos mudar nosso comportamento, mas os homens é que precisam mudar, não nós!" É verdade, filha, são eles que precisam mudar. Mas como somos nós mães que criamos os meninos, o buraco é mais embaixo.
Estamos repetindo a ladainha da sociedade que sempre culpa a vítima. Já tínhamos conversado sobre isso também em relação ao autismo. Ele não consegue se comunicar? Leva na fonoaudióloga, faz terapia, insiste… Ele não consegue socializar? Leva no psicólogo, faz terapia, ensina as regras… Mas não vejo em lugar nenhum ninguém falando em educar as outras crianças para acolher e aceitar as limitações do autista. Ele não consegue fazer determinada tarefa? Porque não podemos simplesmente procurar compreender e ajudar? Afinal de contas, se eu não tenho nenhuma deficiência, concorda que para mim é muito mais fácil mudar de comportamento? O mundo responde que não. O ditado já diz: "A corda sempre arrebenta do lado mais fraco." Mas ninguém pediu para o outro lado parar de fazer força! Não acho simples a gente sair deste círculo vicioso, mas se começamos a pensar sobre isso com nossas crianças, um outro caminho pode se anunciar.
Abrir a trilha pode ser mais dolorido para quem vai na frente, mas os próximos que virão já encontrarão um caminho aberto. Ou talvez decidam abrir outros caminhos diferentes. Repetir o caminho do outro é uma escolha. Mas é preciso dar direito de escolha. E pode ser que no futuro não precisemos ensinar ninguém a se proteger, pois seremos seres humanos melhores. Seremos aquela mão estendida a quem precisa, seremos o abraço que acolhe, a luz para quem está no escuro...
Até lá, receito às minhas filhas o melhor medicamento para todos os males da alma: os livros. Depois da leitura de um livro não seremos mais os mesmos. Não viveremos mais como nossos pais. Só se a gente quiser.
Nas fotos acima, Laís e Ísis, filhas de Fabiana Esteves.
Autoria
Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.
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